«Na parte central do Largo de S. Domingos e desde o princípio do século XVI, existia um chafariz que foi demolido em 1845 e substituído pela linda fonte construída entre 1846 e 1850 num terreno expropriado pela Câmara ao conselheiro Domingos de Faria, tendo este, na terra excedente, mandado erguer num edifício no qual a referida fonte ficou embutida.
Este prédio, mais tarde, passou à posse de Manuel Francisco Araújo (fundador em 1829, da Papelaria Araújo e Sobrinho), e, deste, a seus herdeiros, os quais, após a demolição da fonte, por volta de 1922, aproveitaram o espaço da mesma para aumentar uma montra ao acreditado e secular estabelecimento de papelaria que hoje pertence, por sucessão, aos netos e bisnetos do instituidor.
A Fonte de S. Domingos, que ostentava em ponto elevado um lindo medalhão de pedra com as armas da cidade – por sinal um bom trabalho de escultura em granito – tinha duas bicas e recebia água dos mananciais de Paranhos e Salgueiros, seguindo o encanamento daqui para a Fonte das Congostas.
Pegado à casa de Manuel Francisco de Araújo , onde hoje está uma barbearia, havia uma outra casa pertencente a Henrique de Oliveira Maia, que saía fora do alinhamento uns quatro metros aproximadamente, formando o conjunto das duas casas um pronunciado recanto – no género do que subsiste fronteiro à embocadura da Rua das Flores – no qual habitavam inquilinos da mais ínfima espécie, que se serviam de uma escada comum voltada para o dito recanto, e comerciavam algumas tabernas frequentadas por aguadeiros e moços de fretes de origem galega.
Mesmo em frente à Papelaria Araújo e Sobrinho, junto da fonte, erguia-se um oratório dos Passos – o Passo murinho de S. Domingos, que se formou devido ao rebaixamento da rua após a construção de prédios nesse lugar.
Este Passo, que havia sido tomo reformado entre 1824 a 1825, foi demolido assim como o prédio que formava saliência, para dar mais amplitude ao local e mais perfeita correcção ao alinhamento.
No ano de 1728 e no recanto atrás citado, via-se uma imagem que representava Santa Catarina, a qual, quando se procedeu ao alinhamento do lugar, foi transferida para o cunhal da casa Araújo e Sobrinho, onde se conservou longos anos. (…).
A imagem em referência, que tem 1,19 de altura por 0,55 de frente, foi apeada do dito cunhal há mais de meio século, por motivo de obras da frontaria da casa e devidamente arrecadada num amplo e artístico nicho de pedra canelada (encimado pelo emblema comercial usado pela firma), que o pai [e avô) dos actuais e dinâmicos proprietários cuidadosamentee mandou abrir na parede de um anexo das traseiras do estabelecimento.
esta linda e pouco conhecida escultura, que conta larga existência, não obstante ter sido modelada numa fraca variedade de calcário, está relativamente conservada. apenas a coroa que lhe cinge a cabeça e o braça direito [amputado pelo antebraço] se encontram com mutilações.
Agora, aqui muito à puridade: Não teria sido esta imagem porventura, a inspiradora do nome da rua que actualmente se denomina das Flores e antes se chamou de Santa Catarina?
Se a imagem já lá se encontrava, como é de supor, antes da abertura dessa rua em 1521, então podemos afirmar ter descoberto a origem toponímica do seu primitivo onomástico, e, demais, que o actual Largo de S. Domingos, como é sabido, antes e até meados do século XIX era conhecido por Praça ou Terreiro de Santa Catarina. (…)»
Horácio Marçal, in «O Largo de S. Domingos (III-Conclusão)», O Tripeiro, nº7, Novemnro dfe 1955, V Série, Ano XI